quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Caminhada ...




Ele já não era mais o mesmo, seus valores não mais valiam , e aquela esperança perdida que todos dizem , essa perdeu-se há tempos. A beleza dos dias tornara-se um martírio . O sorriso estava enferrujado , o corpo previamente dolorido, o coração sangrando velhas lembranças e a mente sem pudor , agindo num instinto súbito e psicótico . O que esperar quando tudo se foi. Onde andar se a estrada chegou ao fim! Visionário em outros tempos , sujeito alegre e confiante , porém a linha da vida lhe trouxe o que jamais pensara . Como chegara a esse ponto! Descrente do próprio ser, andando sem rumo e sem cartas na manga . O pretérito hoje é só melancolia , e a dádiva da sabedoria já não lhe servia. Sentado na calçada amarrando seus sapatos ele queria uma explicação . Tudo palpável a sua volta . Pessoas iam e vinham , carros passavam , o sol queimava seu corpo , o suor escorria no rosto e o desespero do fim aproximava-se. Apertou os passos calçada a frente , abaixou a cabeça , não tinha mais coragem de olhar. Desejou profundamente a cegueira, afinal ver pra que! Sua visão estava distorcida. Atravessou a rua agitada sem atenção alguma , os carros freavam , outros xingavam. Seu coração disparou , quase fora atropelado , esmagado e estarrecido ao escaldante sol de janeiro. Um baita susto! Chegou ao outro lado da rua esbranquiçado e trêmulo, mas felizmente estava são e salvo. Parou num boteco , pediu um copo com água e bebeu num só gole. Respirou fundo e foi embora. Desabotoou a gravata e continuou em sua tristeza sórdida à caminho de casa.
Gostava de voltar do trabalho a pé quase todos os dias . Caminhar o deixava relaxado, mas sempre o fazia pensar demais e distrair-se. Queria entender o que acontecia em sua alma , a vontade que não era mais vontade , a tristeza que tornou-se amiga e a rotina e o tédio , parte do dia e da noite.
Depressão , basbaquice , timidez , coisas da vida , o que! O que!
No escritório conversava com as pessoas tentava abrir-se, mas não lhe davam atenção , alguns até o chamavam de maricas , tiravam sarro e faziam piada. Todo dia o mesmo sentimento a mesma confusão e ninguém por perto pra desabafar. Lembrou dos tempos da faculdade, das noites de sexta e sábado , das garotas e da cerveja gelada. A turma que tanto amava e o tempo que não voltava! As festas , os bares , o lual na praia aos domingos . O que acontecera de errado , porque tudo acabou . Um engravatado no meio de tantos outros na selva de pedra maluca . Era tudo aquilo que nunca quis ser . Como pode ter deixado isso acontecer. Sempre achava-se tão inteligente e astuto , e na verdade era ! Mas estava feito , e nada podia mudar , um bom emprego , uma boa vestimenta e a angústia tirando-lhe a vida. Era preciso conviver com isso ou matar-se então! Talvez um dia mudaria , só não sabia como! Acreditava que certas coisas nunca mudam. Um erro precoce! Ia chegando próximo à sua casa . A mesma rua de paralelepípedo e o velho portão de grade alta. Sentia-se cansado e com fome , como todos os dias, tudo igual! Tomar um banho , comer , dormir à tarde , e quem sabe morrer dormindo! Tava aí uma idéia a se pensar , mudaria toda a história , renovaria ! Do outro lado talvez fosse mais bacana , mais interessante! O que tinha pra fazer aqui já estava feito!
Bateu o portão com mágoa e tranqüilo . Arrastou-se corredor adentro e decidiu num rápido pensamento que não queria morrer , ao menos por hoje!

Renato Leme


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